terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Quando as diferenças desaparecem (2)

Decidiu parar de frequentar o puteiro por um tempo. A economia com o uísque gastou em remédios para emagrecer. O preço da entrada, dois dias por semana, passou a ser gasto na academia. Só precisou da ajuda do pai para pagar a nutricionista, que lhe deu uma dieta rigorosa.

Mal sabia que rigoroso seria o destino. Por quase um ano seguiu tudo à risca. Perdeu muita banha, mas ganhou muita autoconfiança.  Até demais. Parecia um jovem normal, e passou a ser mais influente entre os amigos. Uns se afastaram, não agüentariam o ex-gordo botando banca pra cima dos sempre magros. Os que sobravam, passaram a ser escudeiros, aquele gordo virou exemplo. Era tanta auto-estima que não conseguia parar quieto. Queria recompensar o tempo perdido, e sempre tinha algo a fazer: praticar esportes, festas, viagens, e até encontros. Num dia qualquer, lembrou-se do passado, e daquelas noites de voyeur no puteiro sujo que praticamente separava o bairro nobre da periferia. Lembrou-se da puta, e de suas conversas.

Resolveu fazer uma visita. Agora ele era o endinheirado que acenaria pra alguma gostosa. Procurou por ela. Mas não sabia o que iria fazer - se queria apenas se exibir, orgulhoso de suas mudanças, e retomar sua conversa para tentar consumar seu antigo desejo, ou se queria apenas provar algo ao seu ego e ir embora, retomando sua nova vida.

Na dúvida, sentou-se no mesmo lugar habitual, olhou à sua volta, e sentiu saudades do gordo que tinha se perdido ali tempos atrás, que tinha valores, respeitava os outros, pensava nos outros. Estava perdido em seu caráter. Pediu uma água e chamou o gerente.
- Pois não, senhor? Loira, morena, ruiva, nenhuma o agradou?
- Estou apenas procurando uma morena, olhos castanhos claros, um pouco mais baixa que eu, usava muitos adereços, sempre com uma pulseira rosa-choque que sempre ficava comigo ali no canto nas sextas à noite.
- Não o reconheço, mas sei de quem está falando. Essa aí se perdeu no mundo, não trabalha mais aqui faz um tempo.

Virou o seu copo d’água e pediu um uísque. O garçom, com seus ouvidos afiados, disse saber do paradeiro da puta. Disse que ela tinha guardado uma boa grana, largou a vida na noite, começou a estudar e agora trabalhava de garçonete numa rede famosa de fast-food.

Endereço em mãos, no dia seguinte foi atrás dela, que também estava bem diferente, tinha mudado a cor dos cabelos e o corte, deu uma leve engordada por causa do café e do refrigerante de cola que a mantinham acordada para estudar e, claro, por trabalhar em uma rede de fast-food.

Na fila, ele já estava ansioso, e pescoçava por cima dos ombros na tentativa de encontrá-la. Na sua vez, descreveu a moça, pensou até em citar o puteiro, mas achou mais sensato ocultar. Fez várias perguntas, demorou a desistir, até que o caixa perguntou qual seria o seu pedido. Sem sucesso, pediu um suco de laranja sem açúcar enquanto ela, a ex-puta, fritava as batatas com cuidado, ali pertinho dele, mas tão distante, pensando em seus planos ao terminar os estudos.

Ele terminou o suco e voltou pra casa, não sabia mais o que fazer, já que ela devia usar outro nome, outra aparência. Ela terminou o expediente e, debruçada nos livros, lembrou do cara no caixa, fazendo tantas perguntas à sua colega, e deu risada, pois achou que o cliente estava ‘flertando’, coisa rotineira em sua antiga profissão.

No dia seguinte, retomaram seus cotidianos e tentaram, mais uma vez, esquecer o passado.

13 comentários:

  1. O ex-gordo ex-putanheiro e a ex-puta!!! Quero a terceira parte!!! hahaha
    Bjocas FErzita baixolas!

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  2. E novamente, conheço mas não sei; falo mas pela metade. Enfim a decisão por você, e nao pelo outro. Peloo quevocê quer ser. Uma das coisas que mais amo na vida são os â nimos vindos de lugares inimagináveis.

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  3. Cada um tem suas "ex-prostitutas", seus "ex-hábitos" enfim, todos tem um "ex-eu"... Adoooorei Du, quero mais!rs

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  4. Fiquei pensando no texto....muitas duvidas estao na minha cabeça.Sera que eu sou alguma Ex ? existe Ex-habitos,ex- alguma coisa?
    Ou sera que sempre seremos no fundo aquilo que fomos.....? Muito bom texto....parabens!

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  5. e vai ter continuação?rs
    Muito bom cara!! Parabéns!!

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  6. Crônicas cotidianas para temperar o marasmo do céu chuvoso.

    Muito bom texto, Edu. Falo como literária, não fã, tá? Rs...

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  7. gostei.
    não pare, Du.

    Escrever é um suspiro pra mente.

    beijo.
    jabá.

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  8. E enfim, ele emagreceu. E deu a volta por cima. Caralho, que lindo isso! Dudu, bom demais. Parabéns por cada linha.

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  9. Em meio a "vaidade", caprichos, conflitos, desejos... Uma busca incessante por satisfazer-se.
    Assim somos nós... Assim é o ser humano, em seu âmago...
    Talvez essa seja uma parte dessa essencia da historia rsrs

    Para não ein Duu...

    Pri Sales

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  10. Muito gostoso de ler!!! Como disseram acima, todos temos um "ex eu". Me fez refletir bastante...
    Adoro sua sensibilidade, Du. É isso aí!!!! Queremos mais! Bjos, Dri

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  11. Todos conseguem mudar o seu "eu".Ex habitos, Ex eu, Ex tudo....só basta uma coisa....querer.E querer é poder e conseguir.

    Esperando a terceira parte....
    :)

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  12. Gabi Oliveira12/1/12 11:34 AM

    Como conversamos outro dia sobre a dificuldade de assumir o "eu". Mais do que nunca me identifiquei com a crônica.

    Sim, consegui me livrar dos meus "ex medos".

    PS: Estou com inveja de você... está escrevendo tão bem.... hahaha (inveja branca, como dizia uma amiga)
    Bjs

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