segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O velho bolachão

Meu tio raramente vinha em casa. Nas poucas ocasiões, aproveitava para jogar conversa fora. Ele contava causos de sua adolescência, da ditadura, dos festivais, de como ele e meu pai davam um jeitinho de entrar no baile. Eram horas sentados na mesa - ele tomando cerveja, eu tomando refri.

Em uma dessas histórias, desandamos a falar de música. O papo ia de Gil, Caetano, Chico, Tom Zé, Mutantes até Beatles, Rolling Stones, Zeppelin, Hendrix, Clapton e por aí vai, a lista era extensa. Eu, curioso, fui atrás desses artistas todos, e ali surgia um novo olhar sobre cultura, sobre sensações, sobre sentimentos, enfim, sobre como a música me tocava.

Pouco tempo depois, recebi a notícia de que o tio falecera, e numa visita à sua casa, o seu filho mais velho, que devia se lembrar do meu encanto de pré-adolescente com as conversas que seu pai me proporcionava, veio me apresentar o acervo de vinis do velho. Era uma velharia das boas. Disse que seu pai ficaria feliz em deixá-los em minhas mãos. Senti-me um baita privilegiado.

E é assim que me sinto até hoje quando ouço a agulha riscar o bolachão preto, e me lembro das histórias na mesa. Um vinil não é só um vinil. Não é um velho bolachão. Não é só o som. Nem o cheiro de antiguidade. Um vinil é uma história. Do artista. Do dono. Do ouvinte. Do privilegiado. Da saudade.

(post dedicado ao tio Toninho)

domingo, 22 de janeiro de 2012

The Sims do fim de semana

O sujeito até é simples, mas insiste na pompa ao sair de casa. 20h07 em seu relógio caro multifuncional. Veste a peita vermelha gola V com um cavalinho no lado direito, a calça de 340 mangos e a botina com 3 listrinhas. Perfume importado no pescoço e nos punhos, pomada no cabelo, carteira no bolso com o cartão e a CNH, e pronto! Vestiu sua autoconfiança e agora não teme mais ser diferente ou rejeitado aonde quer que vá.

Seu amigo, que o esperava no carro, de chinelo branco e azul, camiseta branca e uma berma qualquer, fumava um cigarro que tinha filado de outro camarada. Só deu uma risadinha de canto, e foram para a casa do Maurício jogar videogame.

'Medo' de gente é uma merda.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Troca de olhares

Depois de quase uma hora no bar, percebi que ela me fitava intensamente. Era um olhar misto, meio provocação meio dúvida. Eu ainda não tinha reação, só observava os suaves movimentos de suas pálpebras, sentado na cadeira desajeitada, onde a conversa entre treze pessoas se entrelaçavam. Só consegui esboçar um sorriso leve, meio de canto. E aguardava o inesperado.

E assim ficamos, a nos olhar por extensos segundos, onde o tempo pareceu passar vagarosamente, como nos fazendo um favor, para que pudéssemos lembrar aquele momento, até que nos interromperam – o que você acha disso tudo? – perguntava o colega ao lado dela, já quase combatido pelo terceiro copo de limão espremido com três dedos de cachaça mineira e duas pedras de gelo, com um toque de açúcar refinado. Subitamente respondi – acho que devo tomar um ar, estou um tanto sufocado aqui. Você troca de lugar comigo? perguntei.

Não sei quantos dos treze entenderiam a intenção de me aproximar dela, mas isso não me preocupava. E então sentei-me. Já não ligava mais pra cadeira dura e mal desenhada, me importava agora a escolha das palavras ao me dirigir a ela. Mas ela adiantou-se em com ar de desconfiada e um leve tom irônico, e me perguntou – tomar um ar, né? Já está se sentindo melhor? e sorriu.

Pego de surpresa, eu não sabia o que responder, até que saiu – vou me sentir melhor se você aceitar sair daqui comigo.

Ao acordar com ela deitada sobre o meu peito, tive uma certeza: o olhar é uma arma misteriosa, mas sobretudo, muito poderosa.

Bom dia!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Quando as diferenças desaparecem (2)

Decidiu parar de frequentar o puteiro por um tempo. A economia com o uísque gastou em remédios para emagrecer. O preço da entrada, dois dias por semana, passou a ser gasto na academia. Só precisou da ajuda do pai para pagar a nutricionista, que lhe deu uma dieta rigorosa.

Mal sabia que rigoroso seria o destino. Por quase um ano seguiu tudo à risca. Perdeu muita banha, mas ganhou muita autoconfiança.  Até demais. Parecia um jovem normal, e passou a ser mais influente entre os amigos. Uns se afastaram, não agüentariam o ex-gordo botando banca pra cima dos sempre magros. Os que sobravam, passaram a ser escudeiros, aquele gordo virou exemplo. Era tanta auto-estima que não conseguia parar quieto. Queria recompensar o tempo perdido, e sempre tinha algo a fazer: praticar esportes, festas, viagens, e até encontros. Num dia qualquer, lembrou-se do passado, e daquelas noites de voyeur no puteiro sujo que praticamente separava o bairro nobre da periferia. Lembrou-se da puta, e de suas conversas.

Resolveu fazer uma visita. Agora ele era o endinheirado que acenaria pra alguma gostosa. Procurou por ela. Mas não sabia o que iria fazer - se queria apenas se exibir, orgulhoso de suas mudanças, e retomar sua conversa para tentar consumar seu antigo desejo, ou se queria apenas provar algo ao seu ego e ir embora, retomando sua nova vida.

Na dúvida, sentou-se no mesmo lugar habitual, olhou à sua volta, e sentiu saudades do gordo que tinha se perdido ali tempos atrás, que tinha valores, respeitava os outros, pensava nos outros. Estava perdido em seu caráter. Pediu uma água e chamou o gerente.
- Pois não, senhor? Loira, morena, ruiva, nenhuma o agradou?
- Estou apenas procurando uma morena, olhos castanhos claros, um pouco mais baixa que eu, usava muitos adereços, sempre com uma pulseira rosa-choque que sempre ficava comigo ali no canto nas sextas à noite.
- Não o reconheço, mas sei de quem está falando. Essa aí se perdeu no mundo, não trabalha mais aqui faz um tempo.

Virou o seu copo d’água e pediu um uísque. O garçom, com seus ouvidos afiados, disse saber do paradeiro da puta. Disse que ela tinha guardado uma boa grana, largou a vida na noite, começou a estudar e agora trabalhava de garçonete numa rede famosa de fast-food.

Endereço em mãos, no dia seguinte foi atrás dela, que também estava bem diferente, tinha mudado a cor dos cabelos e o corte, deu uma leve engordada por causa do café e do refrigerante de cola que a mantinham acordada para estudar e, claro, por trabalhar em uma rede de fast-food.

Na fila, ele já estava ansioso, e pescoçava por cima dos ombros na tentativa de encontrá-la. Na sua vez, descreveu a moça, pensou até em citar o puteiro, mas achou mais sensato ocultar. Fez várias perguntas, demorou a desistir, até que o caixa perguntou qual seria o seu pedido. Sem sucesso, pediu um suco de laranja sem açúcar enquanto ela, a ex-puta, fritava as batatas com cuidado, ali pertinho dele, mas tão distante, pensando em seus planos ao terminar os estudos.

Ele terminou o suco e voltou pra casa, não sabia mais o que fazer, já que ela devia usar outro nome, outra aparência. Ela terminou o expediente e, debruçada nos livros, lembrou do cara no caixa, fazendo tantas perguntas à sua colega, e deu risada, pois achou que o cliente estava ‘flertando’, coisa rotineira em sua antiga profissão.

No dia seguinte, retomaram seus cotidianos e tentaram, mais uma vez, esquecer o passado.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O café que não acaba


É estranho pensar que a gente se viu apenas uma vez, trocamos apenas algumas palavras. Até então uma garota inteligente, com personalidade forte e sábia organizadora das palavras.
Nas tímidas conversas, percebi o tom de individualidade, ela é reservada. Não gosta de sair muito, tem jeito de quem não bebe muito. Sua conversa é agradável, mas só a conheço das belas fotos de seu perfil e do discurso em seu blog.

Aquilo tudo me intrigava: as mulheres mais interessantes que já conheci estavam tão distantes. Pensei que seria capaz de mudar isso, e tentar novamente.

Comecei com um convite pra um café, não sei se acertei o tom, cafés soam formalidade demais. Ela mesma descontraiu e aceitou um suco. Menos mal, afinal ela já dava as pistas de que tinha entendido o meu recado. Quis deixar mais do que claro quando, após algumas tentativas fracassadas de um encontro, passei a usar o café entre aspas, e ela educadamente continuou a aceitar o convite.
Até então faltava apenas marcar a data e o local. Tarefa árdua. Talvez por isso começasse a fantasiar algo que não exista. Algo estranho que me confunde o que é real e o que estou inventando. Isso tudo teve início quando sonhei com ela pela primeira vez.

Eu sabia que era um sonho, mas meu desejo pedia para eu tomar alguma iniciativa para que aquilo se transformasse em realidade. Àquela altura, só conseguia tomar um gole de café, sozinho. No máximo, consegui contar a ela sobre o ocorrido. Ocultei alguns detalhes, obviamente, mas indiretamente estava ali, contando sobre o meu desejo. Ela já sabia, as mulheres não são tolas. 

Ainda não saímos das formalidades e das tentativas de se encontrar. Espero que desta vez eu não fique só com as palavras, e nem com a ilusão de que poderia ter acontecido algo. Esse tempo verbal não me agrada. Preciso ir logo tomar um café!

(escrito em 13/06/2011)

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A importância das coisas


Falar de fogos de artifício, sete ondinhas, roupa branca ou qualquer outra coisa do tipo implica em falar de mudança, de renovação.

Antes de começar, 2011 foi pessoalmente um ano de aprendizado. Aprendi a lidar comigo mesmo e a lidar melhor com as pessoas. Esse aprendizado é bastante difícil, acreditem, e essa trilha apenas começou. Também foi o ano em que, profissionalmente, amadureci rodeado de pessoas que confiaram em minha capacidade e souberam mostrar minhas fraquezas de um jeito em que eu fiquei mais forte ao invés de desanimar. Com tudo isso, eu diria que minha alma e meu coração estão mais preparados para a vida, para viver de maneira mais completa e mais intensa.

Agora que acabou mais um ciclo, a gente tem aquela velha mania de listar o que foi bom, o que foi ruim, o que nos fez perder o fôlego, o que não fez nem cócegas. E nessas a gente se pega pensando no que realmente nos importa.

Família, amigos, trabalho, experiências, sensações, histórias – tudo o que nos dá sentido em estar onde estamos e fazendo o que estamos fazendo.

Comecei a me questionar sobre essas coisas, e não tenho outra saída senão AGRADECER.
Pela família que me acolhe e me conforta, e acima de tudo, me ama sem motivos.
Pelos amigos que ao ficarem do meu lado, não me deixam cair, me suportam e me incentivam.
Pelo trabalho que me afirma como cidadão, me dá dignidade e me recompensa pelo meu esforço.
Pelas experiências que vivo nos pequenos detalhes que fazem a vida ter mais graça.
Pelas sensações de frio na barriga, de aperto no coração, de falta de ar e tantas outras que me escancaram a beleza de viver plenamente.
Pelas histórias que tudo isso acima proporciona, fazendo sentido em dar o próximo passo e querer fazer o seu melhor para deixar uma marca memorável e marcante na vida de outras pessoas.

A cada dia eu tento não me perder na importância das coisas em que acredito. E você, já listou o que é importante pra 2012? E pra toda a sua vida? E pra cada dia e cada detalhe dela?